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Sexualidade e personalismo

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Para esclarecer o conceito de “Padre da Igreja”

  Quem é Padre da Igreja?  Ratzinger procura responder através de uma reflexão interessante, que procuro expor abaixo:  A condição “paterna” e a audição da Palavra Para Joseph Ratzinger, seguindo a linha de Jean Daniélou e Michel Benoît, a figura do Padre da Igreja não se define por critérios externos ou sociológicos, mas por uma realidade teológica: o ser “pai” na fé da Igreja. Isso implica ser parte constitutiva do momento em que a Palavra revelada foi ouvida, discernida e configurada na vida da Igreja. A revelação cristã, diz Ratzinger, é uma palavra, mas a palavra só é verdadeiramente palavra quando é ouvida — quando encontra um sujeito que a acolhe, interpreta e a faz viver. Assim, não basta que Deus fale; é necessário que o povo de Deus escute. O tempo dos Padres é o tempo dessa escuta inaugural e configuradora. Essa audição não é apenas uma recepção passiva, mas um evento teológico: a Palavra se manifesta na medida em que é acolhida. Por isso, a Igreja primitiva nã...

Bontadini contra Vattimo

A crítica de Gustavo Bontadini a Gianni Vattimo está inserida no contexto do debate sobre a "deselenização" do cristianismo, que é o tema central do livro Metafisica e deellenizzazione (Vita e Pensiero, 1996), um dos mais importantes publicados por Bontadini.  Vattimo, representante de um pós-modernismo "fraco" e herdeiro da hermenêutica de Heidegger, defende uma deselenização radical. Ele vê a história do cristianismo como um processo de "esvaziamento" ( kenosis ) da metafísica forte, culminando em uma fé secularizada, caritativa e desprovida de afirmações metafísicas absolutas. Bontadini ataca esta posição com os seguintes argumentos: --- A Crítica de Bontadini a Gianni Vattimo 1. Rejeição do abandono da Metafísica Forte: Para Vattimo, a pós-modernidade significa o fim das "grandes narrativas" e das verdades absolutas. A fé cristã, nesse contexto, deve abandonar qualquer pretensão de verdade metafísica objetiva e reduzir-se a uma "ética d...

É possível duvidar de tudo?

É possível duvidar de tudo? Um desafio de 800 anos que ainda assombra a filosofia Você já parou para pensar se é possível duvidar de absolutamente tudo? Será que podemos colocar em questão a própria existência da verdade? No século XVII, o famoso filósofo René Descartes tentou fazer exatamente isso. Ele mergulhou numa dúvida radical, questionando até mesmo os sentidos e a matemática, para encontrar uma única certeza inabalável: o famoso “ Penso, logo existo ”. A partir desse ponto fixo, ele buscou reconstruir todo o conhecimento. Mas o que poucos sabem é que, cerca de 400 anos antes de Descartes, outro gigante do pensamento já havia proposto uma dúvida ainda mais profunda e radical: Santo Tomás de Aquino. E a conclusão dele foi exatamente o oposto da de Descartes. Enquanto o francês encontrou abrigo no Eu que pensa ( Cogito ) o frade italiano demonstrou que é impossível fugir do Ser ( Esse ).  O argumento é um dos mais poderosos e elegantes de toda a história da filosofia. E é deva...

O amor como porta da Trindade: reflexões a partir do Livro VIII do De Trinitate de Santo Agostinho

Entre os quinze livros que compõem o De Trinitate , obra monumental de Santo Agostinho sobre o mistério de Deus uno e trino, o oitavo ocupa um lugar especial. Trata-se de um dos textos mais místicos de todo o tratado, marcando uma virada decisiva na obra. Até então, Agostinho havia se dedicado sobretudo a defender a fé trinitária contra as heresias e a esclarecer, à luz da Escritura e da razão, a igualdade entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. No entanto, ao iniciar o Livro VIII, ele toma outro rumo: conduz o leitor ao interior da experiência do amor, mostrando que não basta conhecer teoricamente a Trindade, mas é preciso tocá-la na vida do coração. Agostinho parte de uma afirmação central: Deus é a Verdade e o Sumo Bem. Quem ama a verdade já ama a Deus, ainda que não tenha plena consciência disso. Do mesmo modo, toda busca do bem, mesmo quando dirigida a coisas passageiras, é no fundo um desejo de Deus, o Bem supremo e inesgotável. Essa convicção introduz um ponto decisivo: o conhe...

A parábola do pobre Lázaro e do rico epulão: um chamado à mudança de vida

O Evangelho deste domingo nos apresenta uma cena dramática e profundamente atual: à porta de um homem rico, que todos os dias se vestia de púrpura e linho e banqueteava esplendidamente, jazia um pobre chamado Lázaro, coberto de feridas, que desejava apenas as migalhas que caíam da mesa. Quando a morte chega para ambos, os papéis se invertem: o pobre é consolado no seio de Abraão, enquanto o rico se vê em tormento. Esta parábola pode ser contemplada a partir de dois pontos fundamentais para nossa vida cristã e comunitária. ⸻ 1. Relativizar sucessos e insucessos deste mundo A primeira lição do Evangelho é clara: nada neste mundo é definitivo. Os sucessos humanos — saúde, riqueza, fama, reconhecimento — são passageiros. Da mesma forma, os insucessos — pobreza, doença, sofrimento, abandono — não têm a última palavra. O rico epulão parecia vitorioso: rodeado de bens, de abundância e conforto. O pobre Lázaro, por sua vez, parecia derrotado: relegado à miséria, sem consolo humano. Mas a morte...

Do mundo do devir ao Ser absolutamente absoluto: um itinerário do pensamento

A filosofia ocidental nasce da exigência de compreender o ser. Platão, diante do mundo sensível, marcado pelo devir, pela transformação incessante e pela imperfeição, percebeu os limites da realidade material. Para ele, o mundo visível não pode explicar-se por si mesmo: sua contingência só se torna inteligível à luz de um mundo superior, estável e perfeito — o mundo das Ideias. Assim, o imperfeito remete necessariamente ao perfeito. Aristóteles, discípulo de Platão, volta-se de modo mais atencioso para o mundo sensível. Não nega sua inteligibilidade, mas a fundamenta em princípios racionais: a substância, a forma, a matéria, as causas. O cosmos é compreensível porque é ordenado. Contudo, esse movimento ordenado exige um fundamento último que não se move: o motor imóvel. Aristóteles não o descreve como criador, mas como ato puro, causa final de toda realidade em movimento. Com o cristianismo, a intuição filosófica do Princípio se eleva a um plano novo. Antes de tudo, o cristianismo não ...

Teologia da libertação como parte, não como o todo da teologia

A teologia da libertação, surgida em solo latino-americano e desenvolvida em diálogo com a realidade concreta de nossos povos, apresenta diferentes correntes e matizes. Não se trata de um bloco único, mas de uma pluralidade de vozes que buscam responder à mesma interrogação: como anunciar o Evangelho em contextos marcados por graves injustiças sociais? Em linha de princípio, uma reflexão teológica voltada para a libertação é não apenas legítima, mas necessária e oportuna. Em países como os da América Latina, onde a desigualdade social é gritante, a fé cristã não pode se manter indiferente diante do sofrimento dos pobres e da exclusão das maiorias. A teologia da libertação, nesse sentido, cumpre uma função crítica: questiona as causas estruturais da injustiça, examina os mecanismos de opressão, avalia os meios adequados para a superação dessas situações e defende o direito dos povos a uma libertação não apenas espiritual, mas também econômica, social e política. Nessa linha, o Papa S. J...